quarta-feira, 3 de agosto de 2016

Coragem

27 anos. Tomou coragem. Dias antes marcara a sessão de psicologia pra quase duas semanas depois. "Como vai ser?", pensou. "É loucura, não vou conseguir falar nada. Desencana disso". O dia chegou. Levantou mais cedo, calça jeans, blusa e manhã fria. Abre a porta do consultório. "Bom dia, Dra." Sorriso feminino e olhar calmo do outro lado. "Bom dia! Sente-se. O que te trouxe aqui?". Resistiu em responder. Respira fundo, engole a seco a covardia que o aprisiona há tempos. Fala tudo.
A conversa flui confortavelmente. Gagueja um pouco em algumas coisas, mas é convicta no que diz. E muito mais atenciosa quando ouve. Uma hora depois se despedem com um abraço.
"Nos vemos semana que vem, Dra."

segunda-feira, 1 de agosto de 2016

Dorme

Dorme. Sonha que é outra pessoa, não a que nasceu assim. Acorda. Foi um sonho (recorrente, por sinal). Levanta. Encara a vida. Vive sendo quem não é, apenas existe nesse molde. Dorme. Sonha sendo quem não é.

quinta-feira, 2 de julho de 2015

Entrevista de emprego. O dia em que me admiti.

Estava tudo certo. Ontem, as 16h. Almoçou, passou roupa. Roupa de menino. Calça jeans, camisa e um tênis legal. As entrevistas pra quem é publicitário são mais descontraídas e formais, quase uma unanimidade no meio. Hora do banho. Água quente e o fazer da rala barba. Rosto limpo. Na saída do box, um estojo rosa e recheado esquecido na pia. Uma tentação. Cedeu.

Base nude em um pincel que tocava a pele com suavidade e a transformava. O blush coloria, dava contraste. De leve, sutil. Por trás da armação grossa dos óculos, máscaras para cílios, risco fino do lápis e um pouco de sombra. Pitadas rosas nos lábios, um tom um pouco acima do natural apenas pelo prazer da transformação.

Olhar aproximado no espelho: tudo ok! Tudo ok mesmo? Sair do banheiro, do quarto, da casa. Encarar vida normal (?) lá fora, dividir espaço no ônibus, "tête-à-tête" em uma sala com quem não conhece, a sós. As mãos correm para a água fria. É loucura, hoje não! Uma última olhada, olho no olho. Pensa. Olha de novo, não pro rosto, mas pra dentro. Uma pergunta. O que é normal afinal?

Normal é se conformar vivendo às escondidas. Pelo menos é uma das definições do ser crossdresser que encontramos aos baldes por aí. E a definição de quem é, de forma única, singular? A resposta vem. É decisiva, determinada, exclamativa. Hora do aceite. Fecha a torneira, seca as mãos.

A roupa, calça e camisa, em cima da cama estão prontas para vestir um corpo masculino. Antes, vai ao armário e puxa do fundo uma sacola que vive escondida, com medo de ser descoberta - é a materialização de Thais, é o material de Thais. Lingerie de algodão. Sutiã sem enchimento. Shorts modelador, reduz medidas e levanta o bumbum. Aprendeu o truque com a mãe, de forma indireta. Calça o tênis. Quis mesmo usar o salto 12, ia casar bem no jeans justo que vestia. A ocasião não permitia tanto. Tudo bem, hora de ir.

Sai de casa, sobe no ônibus. "Estão olhando pra mim, será que perceberam? Não! É coisa da minha cabeça." No caminho até o destino, trinta ou quarenta minutos e três ou quatro pensamentos de desistência. "Ali tem um shopping. Desço e removo tudo." O tempo não permite desertar. Joga a favor de quem sempre é segundo plano pra ele. O tempo (a falta dele) a convenceu. "Me sinto bem assim." Antes de descer, saca o espelho. A troca de olhares com o que vê no reflexo tem voz. "Está linda. Continue!"

Anuncia que chegou. Sobe, espera e é recebida por um cordial sorriso feminino. Ao longo da conversa descontraída e em meio a perguntas padrões, percebe que o olhar dela as vezes foge, correndo para pontos do rosto. Estava suave, mas não imperceptível. As curvas dos lábios dela denunciam que gosta do que vê. Foi aprovada! Não que dependesse disso para ser assim.

Na reflexão na volta pra casa, uma lição. Admitir quem é, é libertador. O salário vem em pequenas doses de satisfação e um certo orgulho. Momentos de férias aparecem repentinamente e parecem não ter fim. Elas acabam e tudo volta. E com muito mais força, parece revigorada e pronta para uma longa jornada. Escolher seguir outro caminho parecer ser em vão. "Emprego", do dicionário aplicação, uso, ocupação. Admissão do emprego de ser quem é. Nesse processo seletivo sem recrutadores, se admitiu. Segue feliz sendo assim.

sexta-feira, 19 de junho de 2015

(Re)começando

Voltei. Faz tempo que não passo aqui. Como também faz tempo as constantes idas e vindas dessa que vos escreve encarnada em um corpo de um dono que ora gosta do que vê no espelho, ora o ignora.

Talvez o tempo tenha sido necessário. Talvez tenha sido demais. É clichê dos grandes dizer que é ele quem sabe o que tem pra gente. Mas é verdade. Espere e veremos.


terça-feira, 29 de outubro de 2013

A primeira vez

Foi logo cedo, aos cinco anos. Rápido, marcante e com a inocência de uma criança. Lembro de alguns detalhes desse dia. Estava deitado em um colchão na sala de casa, assistindo algum programa infantil. Era um dia de verão e a brisa do fim da tarde batia e refrescava a todos, mas alguma coisa me incomodava e me chamava a atenção.

Hora do intervalo na televisão. Comerciais de brinquedos e guloseimas atraiam o menino do colchão; atrizes de novela despertavam a menina que em mim existia - e que ninguém via. Alguma coisa havia nelas que eu sentia a necessidade de ser igual. Não eram as roupas, vozes finas ou maquiagem. Eram seus cabelos e os penteados. Era o penteado rabo de cavalo.

Me ajeitei discretamente no colchão e com uma das mãos segurei meus cabelos lisos de "tigelinha". Simulei um rabo de cavalo e com outra mão o alisava. Sentia prazer com aquilo e logo tomei uma decisão. Um sussurro de uma voz que (não) era o do menino do colchão foi ao ar: "agora quero ser menina."

O menino foi crescendo e aprendendo que não controlava as ações da natureza e nem da sua própria natureza. Seu cabelo crescia com a ação do tempo e era cortado periodicamente sob a razão da sociedade e seus costumes de estereótipos. A cada tesourada no salão, saia um pouco de cena a manifestação daquela menina sem rosto, sem corpo, sem nome. Sem identidade.




quinta-feira, 24 de outubro de 2013

Começando =)

Olá gente linda!

Usarei esse canal para que todos me conheçam melhor. Espero que gostem!

Sou a Thais Rosa, Crossdresser de 24 anos. Sou de São Paulo, capital.

Me monto desde meus 13 anos, quando, por curiosidade experimentei calçar às escondidas uma sandália salto alto de minha mãe. A sensação foi de total aceitação por parte do menino que habita livremente nesse corpo. Nascia ali uma pessoa que tinha vontade própria e alguns desejos quase incontroláveis, mas ainda sem nome e com uma certa vergonha do que via no espelho.

Ao longo dos dias contarei algumas histórias e curiosidades desse meu mundo nem sempre cor de Rosa, o mundo de Thais.


Beijos.